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4 pontos estratégicos para o desenvolvimento agrário no Brasil


Neste momento de transição governamental, pesquisadores do GPP/Esalq elencaram pontos estratégicos a serem destravados para o desenvolvimento agrário brasileiro. Em destaque, programas de compras públicas, como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar); políticas de crédito ao meio rural, cujo principal programa é o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar); ampliação do alcance e diversificação de políticas de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural); e universalização da conectividade no meio rural.


Participaram da elaboração dos pontos os pesquisadores Alberto Barretto, Ana Letícia Sbitkowski, Marcela Almeida de Araújo, Rodrigo Maule, Sergio Paganini Martins e Simone B. Lima Ranier. Abaixo, detalhamos as análises e o que precisa ser feito em cada uma dessas áreas:


Compras públicas

As compras públicas garantem, de forma bastante abrangente, uma demanda sócio-específica, com remuneração direta e continuada. Isso contribui, simultaneamente, com a mitigação de assimetrias competitivas; com o fomento a cadeias voltadas à alimentação básica; e com o impulsionamento de políticas públicas de crédito, de ATER e do cooperativismo. Dessa forma, as compras públicas contribuem para a consolidação de mercados locais e para a infraestrutura de logística e de armazenamento, gerando transbordamentos positivos ao longo de sua cadeia.


Evidências mostram, por exemplo, que para cada R$1 comprado pelo PAA ou pelo PNAE, há um incremento em R$2 na renda do estabelecimento participante do programa. Além disso, a participação do estabelecimento nas compras públicas reduz a dependência de renda advinda da produção animal, de pensões e de programas sociais.


Como forma de incentivar a agricultura familiar, está previsto na legislação um mínimo de 30% de aquisições destes produtores. Entretanto, este mínimo nem sempre é respeitado; por exemplo, em 2016, apenas 44% dos municípios o atenderam.


Neste cenário, há margem para a ampliação dos programas de compras públicas, desde que proponham:

- Soluções geo-orientadas;

- Capacitação local e especializada;

- Guia de produção local/sazonal;

- Mapeamento de ofertas locais;

- Gestão apoiada por sistemas/ferramentas digitais.


Políticas de crédito

O pacote commoditizado “soja+milho segunda safra” concentra aproximadamente 40% de todo o custeio do Pronaf. A atividade é importante para a geração de renda e para a mobilização de uma rede de agentes bancários acessíveis à agricultura familiar e deve, portanto, ser mantida no programa de crédito. Porém, é importante que esse tipo de financiamento seja de baixo custo de equalização, para que os subsídios possam ser alocados em culturas que não dispõem das vantagens de tecnologia e comercialização que as commodities têm.


A pecuária vem crescendo em importância para a geração de renda na agricultura familiar, principalmente entre os produtores mais vulneráveis. Apesar de historicamente o Pronaf destinar entre 25% e 30% de todo o recurso de custeio e investimento para compra de bovinos, não há condicionamento a programas de ATER, tampouco o reconhecimento da importância social e estratégica da pecuária para renda, poupança e segurança alimentar.


Além disso, o programa ABC (Agricultura Baixo Carbono) opera em uma geografia e em uma ordem de financiamento descolados da agricultura familiar. Por exemplo, de 2015 a 2021, o valor total por contrato do Pronaf foi, em média, de R$ 28 mil; do ABC, de R$ 733 mil. Assim, um “ABC-familiar” dificilmente terá sucesso ao replicar a lógica do “ABC regular”.


Neste cenário, é importante:

- Criar um sub-programa específico para o pacote soja+milho 2ª safra, com baixo custo de equalização;

- Criar um sub-programa específico para pecuária de corte e leite, vinculado à ATER;

- Direcionar subsídios e carência para cadeias produtivas direcionadas à alimentação básica;

- Direcionar subsídios e carência para cadeias produtivas de culturas de alto potencial de agregação de valor (culturas perenes);

- Tecnologias e financiamento ABC devem ser adaptados à realidade da agricultura familiar.


ATER

A atuação da ATER deve ser adequada para cada região, com estratégias e pacotes geograficamente orientados por público e por cadeia.


A ATER governamental tem valor estratégico por estar presente em 81% dos municípios brasileiros. Ainda assim, mais de 80% dos agricultores familiares ainda não recebem nenhum atendimento (e o atendimento governamental que existia caiu em todas as regiões entre 2006 e 2017, em termos absolutos e relativos: no Norte, a queda foi de 17%; no Nordeste, 15%; Sudeste, 7%; Sul, 17%; e Centro-Oeste, 29%). Deve-se considerar, contudo, que o desempenho da ATER governamental entre 2006 e 2017 não foi homogêneo e varia conforme o nível de estruturação estadual e estabilidade orçamentária.


Atualmente, a compra de animais é o principal destino individual dos recursos do PRONAF e, ao mesmo tempo, 30% do rebanho bovino e 70% do rebanho ovino-caprino estão na agricultura familiar, em sistemas de produção com as maiores lacunas de produtividade. Percebe-se, nisso, que a atuação da ATER na pecuária da agricultura familiar tem potencialidade para ser transversal a estratégias de desenvolvimento regional (polos), crédito, associativismo, integração com a indústria e compras públicas.


A renda da produção da agricultura familiar correlaciona-se positivamente à diversificação e ao nível tecnológico. A “diversificação com especialização” demanda uma ATER principal (“core”), preferencialmente de origem pública, vinculada a um sistema de monitoramento de resultados que focalize a gestão global do estabelecimento e que seja capaz inclusive de orientar o acesso a outras fontes de ATER especializadas.


Os seguintes pontos são estratégicos para o desenvolvimento da ATER:

- Estratégias de ATER diferentes para cada tipo de público, como agricultores familiares;

- Reestruturação da ATER com base em parcerias;

- Arranjos estaduais e fortalecimento das EMATERs (institutos de ATER estaduais);

- Ênfase na pecuária de corte e leite;

- Ênfase em culturas perenes com potencial de agregação de valor e agroindustrialização (cacau, café, seringueira, mate, entre outras).


Conectividade

O aumento em 1 ponto percentual no número de produtores com acesso à internet no período entre 2006 e 2017 gerou aumento médio de 0,65% na produtividade da agropecuária municipal. Hoje, porém, apenas 46% dos pequenos imóveis rurais têm cobertura 3G; e 39% têm cobertura 4G.


A conectividade é base para a garantia de bem-estar e oportunidades a jovens, produtores e moradores rurais, mesmo aqueles não dedicados prioritariamente à produção agropecuária. Aliás, a importância da renda oriunda de outras atividades (fora do estabelecimento agropecuário) teve um aumento considerável entre os anos de 2006 e 2017, passando de 9% para 16%. As receitas totais não agropecuárias atingem hoje 34% do total para a agricultura familiar, superando as receitas de atividades da produção vegetal (31%).


Além disso, entre 2006 e 2017, observou-se um gradativo envelhecimento da população rural e o aumento de fração de renda advinda de atividades não relacionadas à propriedade rural. Segundo dados dos censos do período, o número de estabelecimentos com produtores com menos de 25 anos de idade decresceu 41% no Brasil.


Dessa forma, consideramos estratégico:

- Acesso universal à internet no campo;

- Inclusão digital dos agricultores;

- Soluções regionais que considerem custo, tecnologia, finalidade de aplicação e participação governamental;

- Viabilização da pluriatividade e da sucessão geracional;

- Automação de serviços governamentais.



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